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sexta-feira, 22 de julho de 2011

CATARSE


CATARSE  06/2011
CENA I
(Criado mudo com espelho virado de frente para o público na esquerda do palco, um sofá de couro preto e rasgado se coloca estirado a frente do criado, uma luz vermelha de cabaré toma conta do espaço. Em destaque um homem sentado em uma cadeira de madeira, na boca da cena e no centro).
- Já ouviram os gritos? , ela sempre grita nessa hora. E a pouco quase morre. Quase geme. Quase convence o filho da puta.
(Ele levanta, e vê algo acima da plateia, desenha encantado com o dedo o que sente neste momento, e ao mesmo tempo do gesto muda seu sentido e a direção da cadeira para sua direita. Pode sentar ou não).
- Um velho, um senhor, um rapaz alto barba por fazer e com tic’s no seu ombro direito, esse que vai frequentemente as sextas-feiras. Eu sei um por um que nela passa! É natural que se saiba disso, não é. (pausa). Existiam tempos em que fazíamos enormes construções de tinta e pinta. Grades e redes, tudo em uma tela só. “ESTÃO DIVINAMENTE PRONTAS PRO LIXO”...gritávamos um para o outro rindo. Onde assim se dissipavam enormes perseguições de tato e sons estranhos que sempre nos levavam a  olhares cômicos e arrebatados.
 (Nessa mesma euforia o homem automaticamente muda de estado ao ouvir o som de um grito muito forte, que o faz ir ao fundo do palco ficando ainda em cena só que de costas e parado para o público).
CENA II
(Mulher entra em cena, usando um vestido escuro de cor vinho e salto-alto recém-descalço na entrada da porta. Batom tirado a força de um beijo agressivo, com cabelos levemente avoaçados. Senta no sofá, mas não relaxa e nem desmonta o que manteve horas atrás).
- Que dor no pescoço! (levando a mão a ele). Preciso descansar um pouco antes do próximo. Ué? Onde ele foi a essa hora? Deve ter ido à padaria na esquina. (olha e conversa com a plateia). É necessário seu pão no fim da tarde, sabe. Ele é muito metódico no que faz, segue sempre uma ordem lógica em tudo e em todos. Muda seu mundo se você deixar, com toda delicadeza é claro. Imaginem que um dia ele... (interrompida por um barulho forte, seguido da aparição de seu marido no quarto).
- Meu deus! Quer me matar de susto homem. (exclama ela)
- Onde você estava?
- Estava aqui no quarto, no sofá.
- Não me refiro agora, não se faça de tonta! (num tom mais forte)
(Ela levanta e os dois ficam frente a frente, com quase seus rostos se tocando)
- Não sou tonta, não fale assim comigo. Você sabe onde eu estava. Não faço por vontade o que faço, e sim pela nossa necessidade.
(Ele segura com as duas mãos o seu rosto. Sua respiração fica levemente ofegante).
- Nossa necessidade? , isso não é solução, isso não é forma de resultado. Quando que ficamos assim? , onde nos perdemos no mundo que é esse. Responda-me isso. Responda.
(Ela retira as mãos dele com força. Ele resiste a sua vontade e faz com que ela caia no chão de joelhos. Ela diz)
- Um mundo esse que nos coloca aqui. Bem aqui onde muitos estão ludibriados pela sua própria vontade de ser nada. Cale-se e se deixe calar. Isso é o que eu faço, isso o que vários veem fazendo durante tempos.
(Ela se levanta com ímpeto de grandeza, mas logo se retrai ao olhar seu marido, onde fala muito docemente).
- Um belo beijo de bom dia e depois só a arte predominava a casa, ótimos almoços e cafés da tarde, e sempre uma surpresa no jantar. Assim era nossa vida, nossa vida de verdade e não essa tentativa de alguma coisa que não sei.
(Ela se sente apática e por si só estranha todo o lugar como se o visse pela primeira vez, estranha seu próprio vestido, suas próprias mãos, tudo que te rodeia. Ela discorre)
- Não faça isso comigo, não somos o que fomos, e não voltaremos a esse tempo que já foi bom. Apenas ficamos assim, sem algo que nos motive sinceramente. Temos essa sua tentativa e está mais do que aceitável.
(Ele ouve novamente um grito, mais forte e estridente do que o último fora).
- Essa mulher não para de gritar. Não suporto mais isso, e nem mais as suas esquivas.
- Não suporto mais homens, isso eu não aguento mais.
(Ela vai até seu criado, onde guarda seus brincos e anéis de variados tipos de beleza falsa. Olha-se no espelho e respira fundo, vira-se rapidamente pra seu marido)
- Não queria ser grossa com você, tento levar normalmente, e apenas isso. Olha!...Eu quero sempre você. (Ele responde rápido)
- Eu só tento trazer o que de fato se tornou de alguém, e não nosso, e não o que de direito nos pertence. Também quero muito você, de uma forma maior, de uma forma plena. Tenho nojo de tudo aqui, não anseio isso pra você.
(Nesse momento alguém bate na porta, o homem rapidamente a abre, como se a esperasse).
CENA III
- Pois não? Sim, sei quem é a senhora. Mas hoje está ocupada infelizmente, desculpa, não poderá ajudá-la. Desculpa dona, desculpa e uma boa noite. (Bate a porta com força e se vira diretamente pra ela, que fala).
- Quem era?
- Ninguém importante. (Caminha pra boca de cena).
- Eu sei que era pra mim, diga logo. Anda!
- Você não precisa mais fazer isso, é delírio, DEMÊNCIA!
- Você bateu a porta na cara da pessoa que me ampara? Você está louco, é dela que consigo algo pra podermos seguir, você sabe disso. Não devia ter agido assim.
- Mas agi! Agora ninguém nos perturbará, ficaremos apenas eu e você, isso é o que temos de valioso e necessário.
- Isso? É apenas isso que você diz? Não é o bastante ainda. É só um querer, uma vontade, uma ambição. Não me satisfaço mais com pedaço, sou uma pessoa de carne e osso, eu sigo os meus princípios, meus sentimentos, e só.
(Como alguém que segura uma peça de porcelana, ou algo que se classifica mais frágil, invasiva ela passa seu batom e repõem seus brincos. Ele logo pondera receoso).
- Vai sair a está hora? Não, não pode... Eu mostro os meus, e entendo os seus sentimentos. É esse fato, essa lembrança! Não é? Diga-me, fala! Não quero que toda essa descarga paire em cima de nós.
(Ela olha para ele, e ali fica por um breve tempo. Diz).
- Existiam tempos. E que não se fazem mais hoje. Nem por nós. Desisti de tenta-los.
- Por favor, por favor, agora não. Eu sempre soube que chegaria aqui. Mas você, você sabe onde me parar. Por favor! (Ela leva devagar seu olhar ao chão de madeira)
- Foi desse seu jeito que mudamos para o paralelo do nosso mundo. Esquece!
(Ela anda até a porta com o olhar ainda no chão. Ele se ajoelha e tira uma arma que se escondia tão bem quanto seu princípio de medo e insegurança. A cena toma outro estado, ela já parada na porta abrange o que há e vira-se novamente. Sua voz não é a mesma).
CENA IV
- O que é isto?
- ERAM DIVINAMENTE BELOS. Disso eu lembro, só não lembro o agora, o hoje, a situação. Você que foi para mim mulher, sempre assim deverá ser, vou manter essa conjuntura, eu prometo. (Ele olha para a arma).
(Ouve-se um grito extremamente forte, esse pelo qual não se assemelha aos outros, apenas é ouvido por alguém).














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